sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

PARA UMA HISTÓRIA DA PALEONTOLOGIA - 5

Texto que continua os que se podem encontrar aqui.

Geólogo e paleontólogo norte-americano, com grande influência na história da geologia e na da paleontologia dos invertebrados, James Hall (1811-1898). Entre os seus muitos trabalhos, ressalta a identificação, no norte do Michigan e em Wisconsin, dos primeiros recifes fósseis encontrados na América do Norte, e a demonstração da origem orgânica dos estromatólitos fósseis descobertos perto de Saratoga Springs (Nova York), num local a que foi dado o nome de Petrified Sea Gardens, considerado Património Histórico Nacional.
Hall criou um laboratório em Albany (Nova Iorque), que se converteu num importante centro de estudo e de formação para os geólogos e paleontólogos, conhecido como James Hall Office, classificado, em 1976, como National Historic Landmark. Entre 1847 e 1894, publicou 8 volumes de “Paleontology of New York”, num total de mais de 4500 páginas e 1000 ilustrações.

Mais a Norte, o geólogo canadiano, seu contemporâneo, John William Dawnson (1820-1899) estudou e descreveu vegetais fósseis do Silúrico, do Devónico e do Carbónico, pelo que também é considerado um dos fundadores da paleobotânica. É, ainda, lembrado pela controvérsia em torno de Eozoon canadense, uma estrutura então enigmática que encontrou num calcário metamorfizado do Pré-câmbrico, na Costa de St. Pierre, perto de Greenville (Quebec). Dawnson descreveu este achado, em 1865; como o mais antigo fóssil de um ser vivo mas, mais tarde, esta estrutura foi reconhecida como sendo inorgânica. Entre as várias obras escritas que nos deixou, destacam-se The Story of the Earth and Man (1873), The Dawn of Life (1875) e Geological History of Plants (1888).

Décadas depois, o norte-americano Charles Emerson Beecher (1856-1904), doutorado em paleontologia com um estudo sobre esponjas enigmáticas do Silúrico, ficou conhecido por ter escavado e estudado a fauna de trilobites de uma importante jazida em xistos de extrema finura, do Ordovícico superior (Caradociano) de Frankfort, em Cleveland's Glen (Nova Iorque). Famosos pela perfeição, os fósseis recolhidos nesta jazida, hoje referida por Beecher Trilobite Bed, conservam as partes moles do seu corpo epigenizadas em pirite (piritizadas), o que permitiu estudar, em pormenor, a anatomia ventral destes artrópodes marinhos.
Trilobites (Triarthrus eatoni) piritizadas do Caradociano)  de Frankfort, em Cleveland's Glen, (Nova Iorque).
Embora seja mais conhecido pelo seu trabalho sobre trilobites, no que se celebrizou e é considerado uma autoridade, Beecher também estudou corais e braquiópodos. Naturalista e coleccionador nato, juntou milhares de fósseis colhidos em formações paleozóicas, em especial do Devónico e do Carbónico inferior, nos estados de Nova Iorque, Michigan e Pensilvânia, durante os cerca de dez anos que trabalhou com James Hall, no New York State Museum, em Albany. Transferiu-se, depois, para o Yale Peabody Museum, em New Haven (Connecticut), a fim de se ocupar das colecções de invertebrados, situação que acumulou com a de professor de paleontologia na Sheffield Scientific School, na mesma cidade. Por morte de Marsh, em 1899, sucedeu-lhe como conservador geral das colecções geológicas, acervo que ampliou ao oferecer a este museu os milhares de exemplares da sua grande colecção pessoal.

Na mesma época, o geólogo e paleontólogo francês, Jean Albert Gaudry (1827-1908) celebrizava-se ao divulgar o estudo das importantes jazidas fossilíferas do Miocénico superior de Pikermi, na Grécia, onde foram descobertas cerca de meia centena de espécies de mamíferos, constituindo uma fauna terrestre de características intermediárias entre as europeias, as asiáticas e as africanas.
Hipparion gracile do Miocénico de Pikermi (Grécia)
Gaudry foi assistente de Alcide d’Orbigny e, por morte deste, ocupou a cátedra de Paleontologia no Museu Nacional de História Natural de Paris. O trabalho que realizou sobre os ditos mamíferos foi ainda importante pelo suporte que deu às ideias sobre a evolução. Do seu ponto de vista, Dieu ne détruit pas les espèces, mais les améliore, querendo com isto dizer que as espécies não desaparecem, antes se transformam. O trabalho deste paleontólogo encontrou eco, décadas mais tarde, no norte-americano George Gaylord Simpson (1902-1984), professor de zoologia na Universidade de Columbia, Nova Iorque e, depois, professor de geologia na Universidade do Arizona até à sua aposentação, em 1982. Simpson ficou conhecido pelos seus estudos sobre a evolução dos mamíferos, bem como sobre as migrações e extinções destes vertebrados.

Pôs termo à ideia generalizada, segundo a qual a evolução do cavalo foi um processo linear que culminou no moderno Equus caballus. Inovou os conceitos de “equilíbrio pontuado” e de “hipodigma”, termo que, por definição, refere todo o material de uma espécie à disposição dos estudiosos, e publicou várias obras sobre a taxonomia de mamíferos actuais e fósseis. São suas as obras clássicas em paleontologia dos vertebrados Tempo and Mode in Evolution (1944), The meaning of Evolution (1949) e The Major Features of Evolution (1953).

Fundador da Sociedade Suíça de Paleontologia e doutor honoris causa pela Universidade de Genebra, Charles Louis Perceval de Loriol (1828-1908), foi um prestigiado paleontólogo suíço, autor de várias monografias e numerosos artigos sobre os equinodermes dos períodos Jurássico, Cretácico e Terciário da Europa ocidental e central e do norte da África. É lembrado pelos seus pares portugueses através da obra Description des Échinodermes Tertiaires du Portugal, editada pela Direcção dos Trabalhos Geológicos de Portugal em 1896.

Um outro paleontólogo com trabalho realizado em Portugal, foi o francês Henri-Émile Sauvage (1842-1917), o primeiro a publicar um artigo científico citando a ocorrência de dinossáurios em Portugal. Assinou meia centena de artigos científicos, entre os quais, dois dedicados à paleontologia portuguesa: Les crocodiliens et les dinosauriens des terrains Mésozoïques du Portugal, publicado em 1896, no Boletim da Sociedade Geológica de França, e Vertébrés Fossiles du Portugal, Contribution à l'étude des poissons et des reptiles du Jurassique et du Crétacé, publicado pela Direcção dos Trabalhos Geológicos de Portugal (1897-1898). Na mesma época, em Portugal, Venceslau de Sousa Pereira de Lima (1858-1919), doutorado pela Universidade de Coimbra em 1882, membro ilustre da Academia Real das Ciências de Lisboa e professor de Geologia na Academia Politécnica do Porto, investigou em domínios da geologia e da paleobotânica das bacias carboníferas portuguesas. Político com elevadas funções no Estado, foi ministro do reino e presidente do Conselho de Ministros.
Fóssil de Hallucigenia nos xistos de Burgess

Um dos feitos mais surpreendentes da paleontologia, nos alvores do século XX, foi a descoberta, em 1909, pelo paleontólogo norte-americano Charles Doolittle Walcott (1850-1927) da importante jazida de fósseis, invulgarmente bem conservados, nos hoje célebres xistos de Burgess, do Câmbrico, na Columbia Britânica (Canadá). A fauna aí encontrada, em dezenas de milhares de exemplares fósseis, é constituída por géneros completamente novos para a ciência, com destaque para Anomalocaris, Hallucigenia, Marrella, Nectocaris, Opabinia e Sidneyia.

Reconstituição artística de Hallucigenia


O seu interesse pela paleontologia aproximou-o de Louis Agassiz (1807-1873) da Universidade de Harvard, na qual trabalhou como assistente de James Hall e como geólogo e paleontólogo (especialmente interessado no Câmbrico) do United States Geological Survey, tendo atingido o cargo de director desta instituição em 1894. Em associação com Andrew Carnegie (1835-1919), Walcott foi um dos fundadores da Carnegie Institution de Washington.

Investigador do Museu Real de História Natural de Bruxelas, Louis Antoine Marie Joseph Dollo (1857-1931), paleontólogo belga, estudou as ossadas de Iguanodon descobertas na mina de carvão do Cretácico de Bernissard (Bélgica). Celebrizado por ter defendido que a evolução biológica é irreversível, foi o autor da conhecida Lei da Irreversibilidade ou Lei de Dollo, segundo a qual, um ser vivo não tem capacidade de recuar, ainda que parcialmente, para um estágio anterior já realizado na linha evolutiva dos seus antepassados.

Na mesma época, o francês Ferdinand Canu (1863-1932) e o norte-americano Ray Smith Bassler (1878-1961) trabalharam em colaboração, de 1905 a 1931, tendo realizado um prolongado estudo sobre briozoários actuais e fósseis (cenozóicos), sendo de ambos o volumoso trabalho North American early Tertiary Bryozoa, editado em 1881.

No domínio da paleontologia humana, o francês Marcellin Boule (1861-1942) foi o primeiro a estudar os restos ósseos do homem fóssil encontrado, em 1908, em La Chapelle-aux-Saints, na Corrèze, conhecido por Homo neanderthalensis.

Homo neanderthalensis, de  La Chapelle-aux-Saints
Trabalhou no Museu de História Natural de Paris, onde também exerceu o cargo de professor de Paleontologia, de 1902 a 1936. Em 1910, juntamente com Henri Breuil (1877.1961) e Émile Cartailhac (1845-1921), fundou o Instituto de Paleontologia Humana de Paris, instituição que dirigiu entre 1893 e 1940, tendo criado a prestigiada revista Archives de l'Institut de Paléontologie Humaine et d'Anthropologie. Boule ficou na história da paleontologia humana, ao demonstrar que a mandíbula do então chamado Homem de Piltdown pertencia a um símio, denunciando, assim, uma fraude científica. Um outro francês com obra no domínio da paleontologia humana foi Camille-Louis-Joseph Arambourg (1885-1969).

Este professor de Geologia do Instituto Agrícola de Argel realizou trabalho importante de paleontologia humana do Norte de África, defendendo a condição humana dos neandertais, opondo-se ao modelo, então vigente, que os considerava entre os antropóides. Nesta fase da sua vida, procedeu a estudos de outros mamíferos fósseis da mesma região e publicou a memória Les poissons fossiles d'Oran (1927). Mais tarde, em 1952, publicou Les vertébrés fossiles des gisements de phosphates (Maroc-Algérie-Tunisie). Arambourg fez explorações na Síria e no Irão, de que resultou a publicação de uma outra memória Les poissons oligocènes de l'Iran, editada cerca de três décadas depois, em 1967. Procedeu a escavações no Vilafranquiano de Ternifine, perto de Mascara (Argélia), trazendo à luz do dia os restos fósseis do Homo erectus.

Uma expedição na Etiópia, no vale do Omo, permitiu-lhe descobrir os restos de Australopithecus. A culminar o seu volumoso trabalho, publicou Les vertébrés du Pléistocène de l'Afrique du Nord, numa primeira parte, em 1969, e numa segunda, dez anos mais tarde. Arambourg foi professor de Paleontologia do Museu Nacional de História Natural de Paris, de 1936 a 1956, no lugar deixado vago por Marcellin Boule.

No outro lado do Atlântico, o norte-americano Charles Schuchert (1858-1942), admitido como preparador de fósseis do Yale Peabody Museum, sob a orientação de Charles Emerson Beecher, trabalhou como ilustrador de paleontologia para o Geological Survey do Minesota. Tornou-se, assim, um notável estudioso em paleontologia de invertebrados, ao mesmo tempo que ia ampliando e melhorando a sua colecção pessoal. Pelo seu prestígio, Schuchert foi admitido na Universidade de Yale, sucedendo a Beecher na cadeira de paleontologia. Inovador da paleogeografia, criou, em 1904, o conceito de paleobiologia e o respectivo termo.

Ovo de Oviraptor (16 cm)
Um outro norte-americano, Roy Chapman Andrews (1884-1960), colector e taxidermista no American Museum of Natural History de Nova Iorque e, mais tarde, mestre pela Universidade de Columbia, ganhou notoriedade na paleontologia dos dinossáurios, sobretudo, pelas descobertas de fósseis destes animais na Mongólia. No primeiro quartel do século XX, Andrews descobriu uma das mais importantes jazidas dinossáurios no deserto de Gobi. Os fósseis que escavou, pertencentes a géneros novos para a ciência, particularmente bem conservados, são hoje peças de museu bem conhecidas do grande público, com destaque para Protoceratops, Pinacosaurus, Saurornithoides, Oviraptor e Velociraptor. Deve-se-lhe ainda a histórica descoberta, em 1923, dos primeiros ovos fósseis de dinossáurios, alguns deles ainda dispostos no seu ninho. Estes ovos que, de início, foram apresentados como sendo de Protoceratops, são, na realidade, de Oviraptor, como se verificou mais tarde.

Um outro dos seus feitos como “caçador” de fósseis, foi a descoberta das ossadas de Indricotherium (então chamado Baluchitherium), um mamífero gigantesco que viveu no Oligocénico da Ásia central há cerca de 30 milhões de anos. A notoriedade conseguida com os seus feitos guindaram-no, em 1934, a director do Museu onde trabalhara como um simples técnico.

Entretanto, na Europa, Albert-Félix de Lapparent (1905-1975), paleontólogo francês, é, sobretudo, lembrado pelo trabalho que realizou em torno dos dinossáurios, entre os quais os de Portugal, em colaboração com George Zbyszevski (1909-1999), com destaque para Lusitanosaurus liassicus, Apatosaurus alenquerensis, Astrodon pusillus, Brachiosaurus atalaiensis, Camarasaurus alenquerensis e Megalosaurus pombali. O crocodilo gigante Sarcosuchus foi encontrado por ele no Cretácico inferior do deserto do Sahara. Em 1986, o paleontólogo argentino José Fernando Bonaparte descreveu o género Lapparentosaurus, em sua honra.

Discípulo de Marcellin Boule e enquadrado pelo filósofo Édouard Le Roy (1870-1954) e pelo paleontólogo e filósofo Teilhard de Chardin (1881-1954), Jean Piveteau (1899-1991) estudou peixes primitivos e apresentou, em 1926, a sua dissertação de doutoramento intitulada Paléontologie de Madagascar. Amphibiens et Reptiles permiens. Coube-lhe o mérito de descrever a mais antiga rã (Triadobatrachus) conhecida. Interessou-se profundamente pela evolução dos mamíferos e pelo surgimento dos hominídeos, numa perspectiva que não era alheia às suas convicções religiosas. O último livro que publicou, La Main et l'homminisation (1991), ilustra bem estas suas ideias. Jean Piveteau é, sobretudo, lembrado por ter sido o coordenador do célebre Traité de Paléontologie, editado em 10 volumes, de 1952 a 1961, no qual colaboraram meia centena de especialistas nos diversos capítulos que completam a sistemática e a anatomia dos animais fósseis.

Primeiro titular, na Sorbonne, das disciplinas de Paleontologia dos Vertebrados e de Paleontologia Humana, ensinou todas as vertentes da paleontologia geral. Seu continuador, o geólogo francês Léon Moret (1890-1972), ficou na história da paleontologia através da publicação, em 1940, do Manuel de paléontologie animale, com 5 reedições, seguido do Manuel de paléontologie végétale, editado em 1948, duas obras de projecção internacional nos meios estudantis universitários.

Entretanto, do outro lado do Atlântico ganhava corpo uma obra monumental no domínio da paleontologia. No decurso da segunda metade do século XX, ia sendo editado pela Sociedade Geológica da América e pela Universidade do Kansas, o Treatise on Invertebrate Paleontology, coordenado por Raymond Cecil Moore (1892-1974). Com meia centena de volumes escritos por mais de 300 paleontólogos, abrange diversas áreas da paleontologia dos invertebrados, com descrições de pormenor nos aspectos morfológicos, taxonómicos, estratigráficos, paleoecológicos e paleogeográficos, num amplo projecto ainda incompleto e em constante actualização.

A. Galopim de Carvalho

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