segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Minha resposta a alguns membros do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia

Caros Colegas do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia

Agradeço o Vosso esclarecimento (que não sei se representa a posição do órgão) de "que os factos acima descritos não autorizam a interpretação de que o Conselho terá sido indevidamente pressionado". Factos são que houve uma fuga de informação da responsabilidade interna do órgão e que a imprensa publicou um comunicado que tardou a aparecer no Vosso sítio, comunicado que não foi desmentido em devido tempo assim como não foram os termos com que foi apresentado. Os meus Amigos não desmentiram as notícias vindas a lume, mas querem agora esclarecer os articulistas que exprimiram de forma livre a sua opinião, com base nas notícias disponíveis.

Não, não vou tirar a conclusão de que houve pressões legítimas, ou devidas, de quem quer que seja porque estaríamos todos a passar ao lado do essencial para nos concentrarmos no acessório. O essencial aqui é a defesa da ciência, que é aquilo que nos une. E a questão é a de saber se a ciência está a ser bem defendida pelo governo, após as recentes de declarações em primeiro lugar do ministro da Economia e depois do próprio primeiro-ministro. Reconhecem logo no título do vosso documento que houve recentes "alterações às políticas nacionais de recursos humanos em ciência e tecnologia". Ora esse era precisamente o tema do meu artigo de opinião no PÚBLICO intitulado Ciência à Deriva. O programa do governo na área da ciência não está a ser cumprido, pois não está a ser continuada a política, que até aqui tinha sido consensual, de reforço dos recursos humanos para assegurar o crescimento do sistema nacional de ciência e tecnologia, num processo de convergência com a União Europeia. Foi para isso que quis chamar a atenção no meu escrito. Não transcrevi por falta de espaço, mas deixo aqui. o anúncio do primeiro ministro, que preside ao vosso Conselho, do corte com a política passada, em nome de uma maior proximidade da ciência à economia. Faço-o para vos relembrar o que está em causa. Segundo o despacho da Lusa, que o PÚBLICO publicou em 4 de Fevereiro:
"o primeiro-ministro afirmou que, em matéria de ciência e tecnologia, o actual Governo está gradualmente a “romper com as políticas passadas” baseadas na ideia de que “mais dinheiro público” produz “qualidade” em termos de resultados. “De facto, não é assim”, disse Passos Coelho, referindo-se às bolsas atribuídas pela FCT. “Durante vários anos, conseguimos transferir mais recursos para o sistema e atribuir mais bolsas. No entanto, quando medimos depois o número de patentes que são registadas, o número de artigos científicos que são publicados, quando medimos o resultado e a qualidade desse resultado, nós passávamos de indicadores que pareciam comparar muito bem com os países com que gostamos de nos comparar para comparar muito mal sempre que olhávamos à substância dos indicadores”, sustentou. Segundo o primeiro-ministro, é preciso “mudar a filosofia das políticas públicas que estavam a ser executadas”, assegurando que o financiamento dirigido à ciência, à tecnologia e ao sistema educativo “produz resultados” e “cria valor” na economia. Temos, portanto, de aprender a medir os resultados e temos de garantir que as bolsas que nós usamos para financiar os doutoramentos, os pós-doutoramentos, a investigação que é feita não corresponde meramente a uma política de recursos humanos de empregar os melhores, mas que possa resultar em ter mais gente do lado das empresas, altamente qualificada, a desenvolver investigação e a fazer a translação de conhecimento que traga valor para essas empresas e para a economia”, defendeu o primeiro-ministro."
Aparentemente esta mudança foi tomada sem ouvir o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia. É natural que estejam preocupados. Acompanho-vos nas Vossas preocupações. Concluí o meu artigo, reforçando as Vossas preocupações, valorizando assim um órgão de quem muito há a esperar no sentido da defesa da ciência nacional:
"Que não há uma política clara foi reconhecido pelo dito conselho ao solicitar que o Governo “torne público o seu plano estratégico de fundo, comunicando, clara e atempadamente, as suas políticas à comunidade”. E que a FCT anda ao deus-dará foi outra conclusão do mesmo órgão ao pedir uma “avaliação externa à FCT.” Vamos ver quando e como surgem quer o plano, quer a avaliação. " 
Não contestaram esta minha conclusão. Estando nós de acordo, como está em geral a comunidade científica nacional, de que é preciso conhecer o "plano estratégico de fundo" sobre a ciência e que é precisa uma "avaliação externa à FCT", não vejo que pormenores de somenos nos possam dividir. Insisto que  é preciso unirmo-nos em torno do essencial. Um dos problemas da ciência portuguesa é aliás, na minha opinião, a inexistência de suficiente união dos cientistas nacionais. Todos juntos poderíamos contribuir para continuar os extraordinários progressos realizados nas décadas mais recentes pela ciência portuguesa. 

Com a maior consideração e estima,

Carlos Fiolhais


PS) Para o dito "plano estratégico de fundo" sugiro que seja considerada a cultura científica. Julgo que concordarão comigo que, para ultrapassar os actuais problemas da ciência, é necessário reforçar essa cultura, por ela ser a base da sustentabilidade social da ciência. Mas não tenho a certeza que a actual FCT concorde, pois ela extinguiu, sem qualquer aviso prévio nem discussão da comunidade, as áreas da história da ciência e da promoção da ciência. Talvez tenham uma opinião sobre o assunto, que evidentemente respeitarei se não coincidir com a minha.

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