terça-feira, 24 de maio de 2011

CEM ANOS DE NÚCLEO ATÓMICO


O núcleo atómico fez em 7 de Março de 2011 exactamente um século. Com efeito, foi nesse dia, mas do ano de 1911, que o físico britânico, nascido na Nova Zelândia (provavelmente o mais notável de todos os físicos nascidos no hemisfério sul), Ernest Rutherford leu na Manchester Literary and Philosophical Society uma sua comunicação intitulada “A dispersão dos raios alfa e beta e a estrutura do núcleo”. Já antes o núcleo se manifestava através dos fenómenos da radioactividade, conhecidos desde 1896, mas só quinze anos depois ficou claro o que era o núcleo. Vale a pena consultar o documento original e ver como o núcleo bateu à porta da Física, após experiências realizadas por jovens colaboradores de Rurtherford em finais de 1910.

“Existem, porém, algumas experiências sobre dispersão que indicam que uma partícula alfa ou beta ocasionalmente sofre uma deflexão de mais do que 90º num único encontro. Por exemplo, Geiger e Marsden (Proc. Roy. Soc. 82, 495, 1909) encontraram que uma fracção pequena das partículas incidentes numa película fina de ouro sofre uma deflexão superior a um ângulo recto (...) para explicar este e outros resultados é necessário supor que a partícula electrizada passa por um campo eléctrico intenso dentro do átomo. A dispersão de partículas electrizadas é considerada para um tipo de átomo que consiste de um carga eléctrica central concentrada num ponto e rodeada por uma distribuição esférica uniforme de electricidade oposta igual em grandeza.”

Estava descoberto o núcleo, precisamente a “carga eléctrica central concentrada num ponto”, apesar do erro de que a carga eléctrica negativa em redor era uniforme. Daí a dois anos o jovem dinamarquês Niels Bohr, que tinha vindo estagiar a Manchester, propunha, num outro grande momento revolucionário da Física, a teoria quântica antiga: os electrões giravam, em órbitas planetárias circulares em redor do núcleo, que correspondiam a energias quantificadas. Portanto, em 2013 passará um século após a formulação da teoria de Bohr (Prémio Nobel da Física em 1922), que, apesar de modificada e ampliada pela teoria quântica moderna, proposta por um notável conjunto de jovens físicos entre 1925 e 1927, tem ainda hoje um grande valor conceptual.

Na linguagem desconcertante de Rutherford, o fenómeno que ele pretendia explicar com o seu novo modelo era desconcertante: tudo se passava como se um atirador tivesse arremesssado um obus de 15 polegadas contra uma folha de papel e o tiro tivesse rechaçado para atingir o nariz do atirador...

Rutherford já era um físico famoso quando descobriu o núcleo. Tinha ganho o Prémio Nobel da Química em 1908, pelos seus estudos de fenómenos radioactivos, distinção que ele aceitou embora fizesse um comentário irónico relativo às confusões entre Física e Química:

“Tenho assistido a muitas transmutações radioactivas bastante rápidas, mas nenhuma foi tão rápida como a que o Comité Nobel acaba de fazer transformando-me de físico em químico”.

Na época a distinção entre a Física e a Química era ainda mais esbatida do que hoje. Basta para isso reparar que, no mesmo ano da descoberta do núcleo atómico, o Prémio Nobel da Química era atribuído à francesa de origem polaca Marie Sklodowska, Madame Curie, pela sua descoberta de novos elementos radioactivos: o rádio e o polónio. Esse prémio vinha somar-se ao Prémio Nobel que tinha recebido com o seu marido, o francês Pierre Curie, pelos seus trabalhos sobre radioactividade, em 1903, e com o francês Henri Becquerel, o descobridor da radioactividade. O Ano Internacional da Química, que se celebra em 2011, quer também assinalar o centenário do segundo Prémio Nobel de Madame Curie, a única pessoa laureada até à data com Prémios Nobel de duas disciplinas científicas diferentes.

Em 1911, uma fotografia dos participantes do 1.º Congresso Solvay, em Bruxelas, mostra Rutherford perto de Madame Curie (está sentada numa posição central, em diálogo com o matemático francês Henri Poincaré). Não muito longe deles está o então ainda jovem suíço de origem alemã Albert Einstein (tinha 31 anos), sobre cuja teoria da relatividade nem Rutherford nem Madame Curie, os dois essencialmente experimentalistas, se interessaram.

A primeira reacção nuclear seria efectuada oito anos depois da descoberta do núcleo, tendo o feito pertencido ainda a Rutherford. Vale a pena, de novo, transcrever o resumo da comunicação em que ele descreve o arremesso de partículas alfa (que o próprio Rutherford tinha identificado como núcleos de hélio) para cima de azoto, verificando-se que saía, como que num acto de alquimia, oxigénio e hidrogénio. Veja-se, em particular, como Rutherford assinala a presença do hidrogénio dentro do núcleo atómico:

“Dos resultados obtidos até agora é difícil evitar a conclusão de que os átomos de longo alcance que surgem da colisão de partículas alfa com o azoto não são átomos de azoto mas provalmente átomos de hidrogénio, ou átomos de massa 2. Se é este o caso, temos de concluir que o átomo de azoto se deesintegra sob as forças intensas desenvolvidas numa colisão próxima com uma partícula alfa rápida e que o átomo de hidrogénio libertado é parte constituinte do núcleo de azoto”.

O pequeno erro é que não se trata do átomo, mas sim do núcleo de hidrogénio, ao qual mais tarde se veio a chamar protão. O neutrão viria a ser descoberto a seguir, por um discípulo de Rutherford, o inglês James Chadwick, em 1932, feito pelo qual recebeu o Prémio Nobel escassos três anos depois. Nesse mesmo ano foi construído o primeiro acelerador circular e foi realizada a primeira reacção nuclear num acelerador. A Física nuclear estava em franco desenvolvimento... Em 1934, uma filha e um genro de Madame e Pierre Curie, os franceses Irène e Frédéric Joliot-Curie, descobriam a radioactividade artificial, conseguida através de reacções nucleares: receberam o Nobel logo no ano seguinte Em 1938 os alemães Otto Hahn e Fritz Strassmann descobriram a cisão espontânea do urânio. O italiano Enrico Fermi, com a suas experiências de bombardamento de núcleos por neutrões promoveu a cisão induzida desse elemento: em 1942, depois de ter recebido o Nobel em 1938, conseguia a primeira reacção em cadeia do urânio debaixo da bancada de um estádio em Chicago. E o resto é história bem conhecida: o projecto Manhattan de construção da primeira bomba atómica , as bombas de Hiroshima e Nagasaki (Hahn, prémio Nobel da Química em 1944, soube dos eventos num campo de prisioneiros na Inglarerra), e o aproveitamento pacífico da energia nuclear no pós-guerra que se mantém nos dias de hoje.

Rutherford nunca acreditou que a energia nuclear viesse alguma vez a ser usada para efeitos práticos. Que hoje é empregue em larga escala em muitos países do mundo mostra que os grandes génios são também capazes de grandes erros...

1 comentário:

Anónimo disse...

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